quinta-feira, fevereiro 01, 2007

PORQUE PODEREI VOTAR EM BRANCO

As dificuldades que se colocam para muitos eleitores em ir votar e, para outros, em subscreverem uma das perguntas do referendo do aborto, julgo estar bastante associada à falta de uma maior transparência de todas as consequências que um SIM ou um NÃO comportará.

A defesa de cada uma daquelas opções tem-se refugiado, salvo honrosas excepções, nos lugares comuns que pouco esclarecem e muito irritam, pela sua repetição até à exaustão.

Infelizmente, não houve discernimento político para se propor, discutir e aprovar uma “Lei do Aborto” que fosse, posteriormente, colocada em escrutínio universal, através do referendo.

Numa lei desse tipo, ficaria claro o que pensava a maioria do poder político e do poder legislativo. Também ficavam afastadas hipóteses de inconstitucionalidade com o parecer do Tribunal respectivo.

A resposta ao referendo seria, na mesma, um SIM ou um NÃO. Só que a um pacote completo de novas medidas e alteração e supressão de outras existentes. Poderiam existir discordâncias parciais, mas saber-se-ia tudo, ou quase tudo, que o resultado do referendo implicaria. Seria, por isso, um voto plenamente consciente. Sabedor. Convicto. Seguro.

Seria um voto com o conhecimento provável de como, no futuro, seriam reguladas, por exemplo, as seguintes situações:

1 - Uma menor pretende abortar. Tem direito de o fazer sem consentimento dos pais? Pode fazê-lo só com o consentimento do pai ou da mãe?
2 - Em que condições é o aborto considerado crime?
3 - Sendo considerado crime a pena é de prisão?
4 - A mulher tem que justificar o aborto?
5 - Existirá uma consulta de aconselhamento? Exame ginecológico? Período de reflexão?
6 - Quem são as entidades que realizam as consultas de aconselhamento? São nomeadas? Podem recusar-se? Oferecem-se? Regime exclusivo? São remuneradas? São apenas médicos? De várias especialidades?
7 - É eliminado o artigo actual que atribui a dois médicos a competência para verificarem se existem, ou não, os pressupostos para que o aborto não seja punido?
8 - As pessoas com rendimentos acima de determinado patamar também têm o aborto gratuito?
9 - A decisão de abortar exclui, em todos os casos, o homem? Exige que, pelo menos, tenha conhecimento da intenção da mulher?
10 - O homem que entende que a mulher deve abortar tem direito a não ser responsabilizado pelo futuro ser humano se a mulher der continuidade à gravidez?
11 - A opinião diferente sobre o aborto pode ser causa justificativa de divórcio?
12 - O feto abortado será sujeito a análise de ADN? Pode o homem usar esse exame como prova de adultério?
13 - Os médicos poderão recusar-se a realizar um aborto?
14 - Os médicos, parteiras e outros elementos que realizem abortos clandestinos verão agravada a sua punição, num quadro legal que os permita realizar em condições claras?
15 - Existirão registos dos abortos realizados? E de quem os praticou? São sigilosos? Que razões poderão levantar o sigilo?
16 - As condições de registo serão iguais nos locais públicos e nos privados convencionados?
17 - Que razões são aceites para que uma mulher possa recorrer à clínica privada e não ao hospital público? Como se controlará isso?
18 - Qual o valor limite do apoio financeiro do estado aos abortos realizados em clínicas privadas convencionadas?
19 - Haverá limite para os abortos praticados por uma mesma mulher?
20 - As despesas de realização de um aborto que ultrapassem o limite do apoio do estado são aceites para efeito de IRS, como as restantes despesas de saúde?
21 - Haverá penalização específica e automática para quem publicite (jornais, internet, etc.) o nome das mulheres que realizaram um aborto, no caso de este ser considerado confidencial?

Certamente mais dúvidas existirão. Os políticos são pagos para se preocuparem com as perguntas e as suas respostas. Até hoje, se alguma preocupação tiveram, não a tornaram pública. Nem os movimentos que são muitos e pouco dizem a respeito.

Sem respostas anteriores ao referendo, sinto-me incapaz de tomar uma posição, para além daquela que o dever cívico me impõe: ir votar. Em branco. Para informar de que não me é indiferente o problema. Mas que não passo cheques em branco a ninguém. Do SIM ou do NÃO.

Há coisas que, por demasiado importantes, não justificam a teoria da redução de danos. Da teoria do mal menor.

Como diz Mário Soares:

“Se o não ganhar não é nenhuma tragédia. (...) Tudo ficará igual, eu acho que é mau, mas é assim. A democracia tem preços e esse é um deles.”

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro JFR

As importantes questões que coloca, aliás, de forma muito pertinente e pragmática, só fazem sentido num quadro real de despenalização. Não se trata de um cheque em branco. Trata-se de expressar a vontade de mudar o que está se achar que o que está está mal. Poder-me-á dizer que corremos o risco de mudar para pior. Mas acredita que qualquer uma das possiveis respostas às questões que colocou anteriormente são piores do que a situação actual em que existe total e indecente liberalização do aborto com todas as consequências que tão bem sabe?
Por outro lado, as respostas as questões que inumerou serão dadas por todos os deputados no parlamento (favoráveis ao sim e ao não) e em última análise serão dadas por todos os cidadãos, por mim, por si, na practica do dia-a-dia quando as situações se apresentarem. No fundo, mais do que em qualquer outra eleição, ao dizer que está a passar um cheque em branco está dizer que não confia minimamente no seu povo, e isso inclui-o também.

Por outro lado, a pergunta do referendo não poderia encerrar em si todas as respostas que apenas surgem no âmbito legislativo. Será com o contributo de todos nós, cidadãos activos, que será possivel responder da melhor forma às questões que colocou.