quinta-feira, outubro 13, 2005

A SELECÇÃO NO MUNDIAL

Sabia-se, há muito tempo, que Portugal se qualificaria para o Mundial. Várias eram as razões para se pensar assim:
1- O grupo tinha adversários acessíveis;
2- A nossa equipa era vice-campeã europeia, o que lhe dava confiança interna e ascendente sobre os adversários;
3- Os jogadores portugueses são de bom nível numa grande quantidade;
4- A estrutura federativa tem-se mantido e é composta por dirigentes com grande experiência em êxitos e inêxitos;
5- O seleccionador e a equipa técnica estão, há muito tempo, a desempenhar as suas funções.
Sem deixar de parte nenhuma das razões que acima enuncio, entendo que é a razão número cinco a verdadeira chave do nosso sucesso, ou seja, a continuidade de funções de Scolari e da sua equipa técnica.
Os portugueses são tradicionalmente pouco trabalhadores na busca do sucesso. Mesmo quando têm competencias para o obter, esperam que ele apareça. Scolari obrigou os jogadores a trabalhar. Quem não se empenha, arrisca-se a ficar de fora algumas convocatórias ou para sempre.
Os portugueses são especialistas em diagnosticar. Jornalistas, dirigentes desportivos, comentadores têm sempre uma opinião de como deveria ser o esquema táctico, de quais os jogadores em melhor forma, de quem tem "perfil" para o lugar, de qual a conveniente "matriz" da selecção. Mas o que lhes sobra em direito de opinar, falta-lhes em competência de conhecer como criar e gerir uma equipa. Seja ela do que for.
Scolari é um homem do futebol. É um homem de coragem. É um homem responsável. É um homem sério na forma como entende a função pela qual é pago. Assume a responsabilidade das suas decisões. Mesmo que polémicas.
Tem como objectivo ter uma equipa que funcione.
Muitos dos que o criticam por utilizar dois guarda-redes que são suplentes nas suas equipas, esquecem de que essa é a função melhor preparada para uma utilização em qualquer momento. Basta ver, que é muito usual quando os guarda-redes são substituídos nos jogos, aquele que entra ter um rendimento igual ou superior ao que saíu.
Por outro lado, o que seria da selecção se os jogadores que são suplentes nas suas equipas não fossem seleccionados? Alguém imagina Cristiano Ronaldo, tantas vezes suplente no Manchester, não ser seleccionado? E Ricardo Carvalho, suplente no Chelsea em muitos jogos? E Miguel, Caneira, Hugo Viana no Valência? E, quantas vezes Figo, Maniche, Nuno Gomes se sentam no banco das suas equipas?
Na verdade, Scolari demonstrou coragem em várias decisões que tomou desde que é seleccionador nacional: afastou Vítor Baía e João Pinto na decorrência de problemas ocorridos no mundial de 2002. Julgo que interpretou, o que os dirigentes federativos lhe comunicaram, de forma correcta. Por motivos diferentes, ambos não eram convenientes ao espírito de grupo que uma equipa deve ter.
Demonstrou coragem quando assumiu que um notável jogador - Deco - seria uma mais-valia para a selecção, apesar de brasileiro. E, demonstrando competência entendeu que não era seu o problema de ser correcta ou não a forma, demasiado fácil, como se naturalizam os jogadores de futebol. Mesmo aqueles que, como eu, pensam que Deco foi naturalizado para, mais facilmente, negociar bons contratos na Europa do futebol e que, quando acabar a sua carreira, lá irá de malas feitas para o Brasil, sabem que foi uma demonstração de competência de Scolari aproveitar a disponibilidade de Deco e integrá-lo na equipa portuguesa evitando grandes manifestações de contrariedade, legítima, dos jogadores portugueses.
Demonstrou coragem, quando assumiu que Portugal não é a melhor equipa do mundo e que, por isso, devemos ser capazes de entender que, ficar entre os oito primeiros no campeonato do mundo, é um bom resultado. Só a falta de bom senso ou o interesse de certos jornalistas e comentadores em elevar excessivamente as expectativas, para poderem zurzir em toda a gente no final do campeonato do mundo, será capaz de pensar que existindo o Brasil, a Argentina, a França, a Alemanha, será possível a Portugal encarar, como fim único, a presença no quadro de honra. Se o conseguir, será certamente porque se excederam os seus jogadores e a equipa técnica.
Por mim, espero que Portugal chegue aos quartos-de-final. Se tal acontecer, será atingido o patamar de elevado nível em que o futebol de Portugal se movimenta. Oxalá nos restantes domínios da vida portuguesa - governantes, autarcas, professores, estudantes, jornalistas, empresários, trabalhadores - se chegasse tão longe em termos de produtividade. Estaríamos no grupo dos 10 melhores países do mundo.
Se não chegarmos lá, é porque o futebol continua a ser um jogo. Se formos mais longe, é porque o jogo nos sorriu.


1 comentário:

Anónimo disse...

Tudo muito bem...
Mas, muitas vezes,esquecemos as circunstâncias altamente favoráveis em que esta gente trabalha e a quem nada falta.
Enquanto outros não têm um pau de giz, um mapa, uma fotocópia...

A título de exemplo:
- um ano de salário do selecionador daria para pagar quantos anos o salário ao Presidente da República?
Trinta e cinco anos?
Quarenta anos?

Isto em Portugal