domingo, junho 12, 2005

PEC - Programa Enganosamente Calculado

O Expresso publicou, no Suplemento de Economia da edição de 10 de Junho, um quadro quantitativo representando o efeito das medidas contidas no PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento). A não existência de comentários, nesse artigo, sobre a viabilidade dos números apresentados, a falta de explicação quanto à forma de os mesmos serem atingidos e o próprio título - reduzindo a importância do quadro a uma medida de pouco efeito quando comparada com tudo o que o quadro engloba -, deixou-me perplexo, suscitando, em mim, a enorme vontade de contestar o quadro e o artigo.

O quadro lembra-me os projectos de investimento que, em Portugal, têm sido feitos, na sua maioria, procurando chegar a números de crescimento de vendas, resultados, taxas de rentabilidade e níveis de cash-flow e de autonomia financeira indispensáveis à obtenção dos apoios do Estado. Quase nunca, representativos de estudos sérios, profundos e realistas das potencialidades efectivas do binómio produtos/mercados em que as empresas actuam. Se dúvidas houver, haja coragem para, nos vários sectores de actividade, analisar o quadro real de chegada de muitas empresas com o que era perspectivado nos seus projectos. A tecnologia informática facilita bastante esse trabalho.

Lembra-me, ainda, os planos de consolidação de dívida que, empresas com dificuldades financeiras são forçadas a realizar e, nos quais é menos importante para a banca a credibilidade dos números apresentados, do que as garantias reais, obtidas a partir da aprovação desses planos e que são, de facto, o objectivo maior das áreas de risco dos bancos financiadores.

Em qualquer dos casos acima referidos, são intervenientes nos estudos, as demais das vezes, entidades e pessoas que pouco conhecem da realidade activa da empresa. São, fundamentalmente, possuidores de uma boa folha de cálculo na qual os números de um caso são substituídos pelo novo.

Inocentemente, julguei que a nível governamental as coisas se passassem de outro modo. O quadro divulgado diz-me que não é assim. Senão, vejamos:

1 - Grande parte dos números, são resultado da aplicação percentual sobre uma base e não o produto acumulado de n casos previstos pelo efeito-valor individual de cada um. Tal é visível na receita por medidas contra a evasão fiscal, em que, encontrado um número para 2005, se prevê duplicar o efeito no ano seguinte, considerando que o grau de dificuldade é igual, independentemente do tipo de imposto. Do lado da despesa a contenção ao nível da segurança social, resulta da aplicação ao valor previsto (com que critérios?) de 2006, de uma taxa decrescente próxima de 100% em 2007 e de 50% e 33% nos anos seguintes. Será isto previsão ou desejo?

2 - Não são considerados os efeitos das próprias medidas na natureza da receita ou despesa. Assim acontece com o imposto sobre o tabaco. Considerado o valor do efeito em 2006, não é atendida a natural e progressiva diminuição do consumo, implicando um progressivo amortecimento do aumento anual de imposto. Igual atitude para o ISP. É como se o efeito-preço não existisse.

3 - Há medidas cujos valores apresentados não são entendíveis, enquanto denunciadores de políticas qualitativamente analisadas. Parece ter-se encontrado o número que dava jeito. Veja-se a diminuição de despesa com a moderação de custos de pessoal da Administração Pública: definido um valor para 2005 de 100 milhões €, nos anos seguintes vão-se aumentando sempre 300 milhões, chegando-se, deste modo, ao valor mais significativo de diminuição de despesa. Idêntico é o processo com a redução e racionalização dos Recursos Humanos. Também aqui se constata que, este ano nada será feito, já que o valor é zero. E, nos anos seguintes, vai-se aumentando 75 milhões por cada um, dando a clara ideia de que não há qualquer plano balizador dos valores, mas apenas um desejo e necessidade de reduzir custos naqueles montantes.

Por tudo isto, verifico a dificuldade do país em sair da crise. É que esta não é só económica. É, sobretudo e em primeiro lugar, uma crise de competência. Como pode um Ministro das Finanças - ao que parece conceituado professor de economia e finanças - subscrever um tal estudo e nele se amparar para a tomada de medidas urgentes e capazes de melhorar o país? Como pode uma equipa técnica em que aquele se apoia, comportar-se de forma tão principiante? Como pode o autor do artigo, reputado analista económico não tecer qualquer comentário à qualidade dos números apresentados? Mas, por último e, talvez o mais importante, para definir o quadro de competências europeias a que estamos entregues, como é possível que o presidente da UE, o senhor Juncker, teça loas favoráveis a um conjunto de medidas enquadrada no PEC que, com base na quantificação dos efeitos apresentada, se deverá entender como: Programa Enganosamente Calculado.

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