quarta-feira, junho 28, 2006

O aborto. Um referendo. Quatro perguntas.

Antes de tudo: sou favorável ao referendo sobre o aborto. Se há matérias em que esse instrumento decisório é justificado, esta é uma delas. Isso não impede que veja com alguma preocupação certas questões à volta do aborto que, em virtude da paixão com que o assunto é discutido pelos apoiantes e pelos críticos, raramente são aprofundadas. Deixo aqui algumas.

1 - Sendo a legislação espanhola tão semelhante à portuguesa, que razão motivará que em Espanha se façam mais de 80 000 abortos num ano e em Portugal, apenas, 790? Se usada a regra proporcional à população deveríamos ter cerca de 20 000! Não se poderá concluir que o problema da clandestinidade está relacionado com outros factores, tais como: a objecção de consciência por parte dos corpos médicos; a vergonha social, nomeadamente, em casos de jovens mães solteiras e de mães de famílias católicas e das zonas mais interiores do país. Se assim for, será que, com uma nova lei, isso vai mudar?

2 - Nos casos em que existe clandestinidade, seja actual, seja futura, não deveremos utilizar a lei para punir quem possa estar a praticar um acto médico (médico ou parteira ou “curiosa” e a parturiente), fora das condições de saúde, higiénicas e legais indispensáveis? Se assim for, não terão de continuar a existir julgamentos para quem esteja fora dos limites que a nova lei venha a estabelecer?

3 - Quando se pretende que a mulher, em exclusivo, possa decidir sobre o aborto, não será que se está a excluir o outro participante na concepção? É que, se nos casos comprovados de abuso sexual e violação, tal é totalmente aceitável, não será de obter a aprovação do parceiro (seja ele marido, companheiro, namorado, amante, etc) exigindo a sua identidade, com as mesmas regras que seriam usadas se dessa gravidez nascesse um filho? Se assim não for, não estaremos perante uma desigualdade de direitos entre mulher e homem, eventualmente, inconstitucional?

4 - Estará Portugal, no que ao tema da gravidez não desejada diz respeito, à frente do seu vizinho espanhol e até de outros países europeus, não tendo, nos tempos actuais, tantos casos de aborto como esses seus parceiros, em virtude de toda a divulgação que tem sido dada (desde o anterior referendo) a assuntos relacionados - directa ou indirectamente - com o aborto, tais como: o uso da pílula desde muito jovem; uma noção mais forte sobre as complicações de prática do aborto; uma noção muito mais real que as ecografias (agora a três dimensões) vão dando ao feto; o uso do preservativo para protecção contra a Sida; a utilização, em larga escala, da pílula do dia seguinte.

Estas são questões para as quais me preocupo em encontrar resposta. E ser auxiliado nesse objectivo. Infelizmente, poucos são os que, com os seus comentários e suas análises, me têm ajudado a vencer essa dificuldade.

Sem comentários: