quarta-feira, janeiro 10, 2007

Inquérito, Aviões e outras Ilusões

Desejavam alguns deputados a aprovação pela Assembleia da República de um inquérito ao chamado caso dos “Aviões da CIA transportando prisioneiros para Guantánamo”. Para quê? Qual o benefício, para os portugueses, de um tal inquérito? Em minha opinião, nenhum. Julgo até que, esse pedido, evidencia a fraca capacidade, de parte significativa, da actual classe política (já o referi aqui).

Falta de capacidade estratégica e operacional associada a uma grande ausência de sentido de estado. Senão vejamos:

a) Os presos de Guantánamo existem;
b) Vieram de algum lado, exterior à ilha onde aquela prisão se situa (Ilha de Cuba);
c) São presumíveis culpados, na opinião da entidade que os deteve (presumo que EUA, GB e outros, em acção no Afeganistão, Iraque, etc.;
d) Após a detenção teriam de ficar detidos em algum lado;
e) De certo modo, não seria muito protector dessas pessoas deixá-las nos países em que foram detidos (a justiça não parece abundar por esses locais)
f) Provavelmente, não seria boa ideia deixá-los em bases localizadas noutros países e pertencentes aos países que efectuaram as detenções;
g) Certamente não existiriam países com vontade de oferecer o seu território (prisões) para manter detidos aqueles indivíduos;
h) Assim, parece natural que se transportem os presos para territórios pertencentes aos países que os detiveram;
i) É plausível que tenham decidido (esses países) concentrar, todos os presos, num único território;

Se não têm capacidade para elaborar este simples raciocínio, que posso eu dizer da capacidade operacional dos nossos políticos?

Continuando:

j) Se era necessário transportar os presos para local bem distante, tal teria de ser feito por via aérea;
k) Implicava passar e fazer escala por territórios de outros países;
l) É razoável pensar que os países com territórios usados por esses aviões, tenham sido consultados, como é habitual na actividade aeronáutica;
m) Não custa aceitar que tenha sido autorizada essa utilização, num plano de relacionamento político positivo entre esses países;
n) É seguro que era conhecido o “conteúdo” dos aviões;
o) É louvável (para protecção dos países acolhedores) que esse assunto tenha sido considerado confidencial;
p) É totalmente aceitável que a decisão esteja incluída nas que pertencem ao domínio das competências exclusivas dos governos dos países usados;

Se não têm capacidade para elaborar este simples raciocínio, que posso eu dizer do sentido de estado dos nossos políticos?

Continuando:
q) O problema maior que este assunto revela, terá a ver com a situação dos presos em Guantánamo;
r) Os políticos europeus, nos quais se incluem os portugueses, não tomaram medidas de repúdio (nos órgãos competentes) sobre os possíveis atentados à dignidade desses seres humanos (apesar de poderem ser terroristas).

Se não têm capacidade para

1) escolher o que é verdadeiramente importante para a sua acção política;
2) o que poderá determinar uma melhoria da vida democrática no mundo;
3) o que possibilitará uma melhor aceitação, por parte dos seus eleitores, dos enormes custos que a sua actividade implica,

então, que posso eu dizer da capacidade estratégica dos nossos políticos?

Por tudo isso, entendo que não se justifica a ideia - existente (com razão) nos primeiros vinte anos da nossa democracia -, de que os políticos com responsabilidade de representação nos órgãos de soberania, são gente acima do comum dos homens, no plano intelectual, no plano dos princípios, no plano da visão.

Isso é pura ilusão.

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